Por: Thiago Henrique.
Conheci a série "Sweet Home" por acaso, em meados de 2022 e, desde então, venho pensando em escrever algo relacionado a ela. No entanto, nunca me senti plenamente confortável em redigir esse texto em específico. Posterguei por dois anos até finalizarem a série, dizendo a mim mesmo que era necessário ver o desenvolvimento completo para tecer qualquer comentário a respeito (o que eu percebi não ser verdade). E cá estou, em frente a tela do meu computador, ainda incomodado com tudo isso. Então a série é muito boa, para ter ficado tanto tempo sem escrever, devem pensar. A resposta mais sincera é: não, não é. Talvez seja ainda mais medíocre do que lembro e não tem nada que valha muito a pena ser comentado. A premissa é igual a tantas outras de apocalipse "zumbi" e fim do mundo. Durante as três temporadas, acompanhamos a trajetória de Cha Hyun-su, um jovem comum que, pouco tempo após se mudar para um novo condomínio, é envolto nessa catástrofe mundial. Cabe a ele formar alianças com seus vizinhos para que possam sobreviver e buscar respostas enquanto enfrentam monstros sedentos por sangue. Como disse anteriormente, mais uma narrativa apocalíptica nascida nesse período já tão marcado pelo fim. Na primeira temporada, mais especificamente, os monstros também são horripilantes, mas não do jeito que imaginaríamos. Por diversos momentos, pensei estar assistindo a alguma gameplay de um jogo de PS3 ao ver as criaturas saltarem à tela. Para não ser injusto, a ambientação é bastante imersiva, tem momentos inspirados da direção de arte e a relação entre os personagens te fazem se importar com os destinos deles.
A primeira vista, esses pontos não seriam o suficiente para destacar qualquer coisa relevante sobre a série. Todavia, talvez sua maior debilidade seja, também, sua maior potência: os monstros. Uma coisa que não disse e que é o elemento mais essencial para se pensar essa obra, é que as criaturas não infectam outros. As pessoas não se transformam devido a mordidas ou ferimentos causados por infectados. Elas, simplesmente, se tornam outros seres, da noite para o dia. Ou melhor, elas se tornam os seus maiores desejos. Um homem calvo se torna um ser cheio de pelos. Um antigo velocista com o sonho de ser o mais rápido, ao se transformar, ganha rodas no lugar dos pés. Já um aficionado pelo próprio corpo ganha músculos sobre-humanos. Enfim, a lista é longa. Isso abre margens para refletirmos sobre as relações de poder. Assistindo a um vídeo do canal "Quadrinhos na Sarjeta", o apresentador, ao analisar uma obra, diz que o poder não corrompe, apenas traz a tona os desejos das pessoas. Nesse sentido, as pessoas seriam mais cinzas, permeadas por desejos que são reguladas (ou não), por impedimentos. Posso desejar ser rico, mas não saio por aí assaltando um banco porque serei preso. Vale ressaltar, contudo, que no sistema econômico em que vivemos, esses impedimentos morais, jurídicos e políticos não estão acima do dinheiro. Um exemplo sintomático é o de Elon Musk, bilionário que construiu sua fortuna a partir do colonialismo sul-africano e que possui um estranho interesse em afetar a soberania alheia. Toda essa confusão envolvendo ele e o governo brasileiro é uma cristalização do poder e desejos de uma pessoa que pode ter tudo a todo momento. Qual o limite dos desejos de uma pessoa assim? Eles existem? Se continuarmos nessa toada, seria o nosso destino semelhante aos das criaturas de Sweet Home? Nossos desejos, se levados ao extremo, poderiam ser nossa destruição?
O que mais me chamou atenção na série, entretanto, é em algo que está numa esfera mais micro: o protagonista. Cha Hyun-su também se transforma. Quer dizer, mais ou menos. Ele vira um monstro, mas luta para ser um humano. Para permanecer humano. Ele, um garoto suicida. Sim, alguém que, aparentemente, não possui mais desejo em permanecer nesse mundo. E isso é de uma potência tamanha, pois talvez daí resida uma energia para pensarmos, não somente o mundo, mas nossa própria existência. Camus (2016), em "O mito de Sísifo", nos diz que a existência por si só é absurda. Segundo ele, não existiria um sentindo na vida e, esse fato, causaria uma série de reações nas pessoas. Existiriam aqueles que ignorariam tal angústia e seguiriam com sua própria vida sem pensar muito sobre isso. No entanto, existiriam aqueles que agiriam de alguma maneira. O suicídio, nesse contexto, seria também uma agência. Ao se depararem com o não sentido das coisas e com o fardo que a vida traz, indivíduos escolheriam o abraço gélido da morte. Carregar a pedra morro acima é cansativo demais... O que Camus defende, porém, é uma postura absurda. A aceitação de que a vida não possui sentido e tudo bem não possuir. Não nos cofundemos. O autor não está nos dizendo para aceitar passivamente esse fato e deixar com que isso nos imobilize e nos impeça de disputar o mundo. Muito pelo contrário. Precisamos pensar o que faremos a partir desse ponto.
Qual o maior desejo de Cha Hyun-su? Essa foi e é a questão que mais marcou minha experiência com a série. Seria a morte? Mas, então, por qual motivo ele simplesmente não desapareceu quando se tornou uma criatura? Por que se dar ao trabalho de lutar contra a transformação e proteger as pessoas que são queridas para ele? Ao ganhar asas, Hyun-su se torna um anjo. Poderia muito bem ter sido uma anjo da morte (shinigami), mas não. Talvez, e só talvez, ele não desejasse a morte no fim das contas, mas sim uma nova relação com a vida. A aceitação radical do não sentindo da existência e a luta constante que isso traz. Voltando a Camus (2016), ele diz que a escalada ao topo da montanha empurrando a pedra gigante não é algo fácil. Ninguém disse que alguma vez o seria. Mas existem pausas e sempre há o momento em que a pedra rola e devemos descer. Talvez algo possa mudar em nós durante essa descida. A liberdade que Ismália tanto perseguiu.
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O mito de Sísifo : ensaio sobre o absurdo / Albert Camus ; trad. Urbano Tavares Rodrigues. - 1ª ed. - Lisboa : Livros do Brasil, 2016.
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