quarta-feira, 3 de maio de 2023

Summertime Render: tente de novo

 


Recentemente, passei por uma experiência muito interessante assistindo o anime "Summertime Render". Já tinha um tempo que alguma obra não me despertava uma empolgação/diversão tão grande. Acho que esses sentimentos tem alguma relação com a fluidez e direção do anime, além da sua história recheada de segredos até o último episódio. Senti como se estivesse assistindo uma mistura de Fullmetal Alchemist, Steins;Gate, Us e Re:Zero, mas, ao mesmo tempo, não se parece com nenhum deles. Os elementos de viagem no tempo e checkpoint a cada morte estão ali presentes, mas são utilizados de maneiras diferentes. Fiquei até o final tentando entender o que o anime queria transmitir, qual a reflexão que ele propunha. Em alguns momentos, pensei que ele falaria sobre doppelgagenrs e a perda da identidade. Em outros, considerei que seria uma mensagem sobre luto e perdas. Até cheguei a cogitar que iria propor um debate sobre a tradição e a modernidade (como em a Viagem de Chihiro), até que a minha ficha finalmente caiu: é um anime sobre recomeços. 

Pode parecer uma afirmação óbvia já que a todo momento Shinpei (o protagonista) está morrendo e voltando no tempo para tentar salvar os seus entes amados, mas até mesmo nessa obviedade há uma complexidade. Normalmente, a morte é encarada nas sociedades ocidentais como o fim da vida. Nas religiões cristãs, há uma ideia de vida após a morte (ideia essa que guiou a forma das pessoas se relacionarem com o tempo no medievo), mas, mesmo assim, a morte não deixa de ser o fim de uma pessoa num plano terreno e material. Em outras religiosidades, a morte tem outras concepções, mas, nesse anime, todavia, a morte não é o fim, mas o recomeço. O protagonista tem a oportunidade de recomeçar toda vez que ele morre. Esse recomeço tem várias camadas, ao que parece. Em primeiro lugar, recomeçar dói. Colocar um fim a um ciclo e iniciar um novo é doloroso, o que fica bastante evidente com as mortes de Shinpei. Para começar novamente se perde algo, não tem outra saída. Terminar um relacionamento doí. Levar um fora dói. Perder alguém especial dói muito. Muitas vezes, o ato de simplesmente viver também doí. No entanto, podemos e devemos recomeçar e, para nossa felicidade, não precisamos morrer para que esse recomeço aconteça.

A sociedade brasileira, de forma geral, influencia bastante a forma como as pessoas lidam com suas emoções e com os erros. Há uma pressão enorme sobre a ideia do vencedor e do fracasso, algo que compartilhamos em certa medida com o país de origem do anime. Sempre devemos vencer e conquistar o melhor trabalho, o melhor estudo, o melhor salário. É preciso passar de primeira no ENEM ou adquirir sua independência financeira o mais cedo possível. Fracassar não é admissível. Foi nessa ferida que o anime tocou. Sabe, as pessoas "fracassam". As pessoas perdem, se perdem e vão ao chão muitas vezes. Dependendo do seu estado emocional, essa queda pode ser muito maior também. Contudo, Summertime Render me fez lembrar de algo: tá tudo bem fracassar. Não é errado a gente cair, tropeçar ou não conseguir fazer alguma coisa. Só tente de novo. A vida continua mesmo com essas fases. Então só tente de novo. Às vezes, a dor pode ser como um tiro atravessando nossos crânios, mas ainda continuamos vivos. E, enquanto vivermos, existirão inúmeras outras formas e possibilidades de se lidar com as coisas do mundo e com a própria existência. Se faltar coragem, busque-a naquelas pessoas que te amam e nas coisas que te proporcionam energia de vida.  

Talvez eu devesse só assistir o anime e parar de pensar nessas coisas, como minha namorada disse. Mas, se eu pudesse identificar um pouco dos motivos dessa obra ter me afetado tanto, diria que é o seu tom. Para além de um otimismo ingênuo e um pessimismo imobilizante, existe a realidade e, dentro dela, existem infinitas maneiras de ser estar no mundo. E essas diferentes experiências proporcionam diferentes aprendizados e diferentes recomeços. Então, não tenha medo dos fins. Só tente de novo.
 
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"[...] Can I start again? Can we start again? (...) Can we begin again?" (Jessie Ware). 


Um comentário:

  1. Gostei da sua "análise",e fez repensar meus fracassos e te agradeço por isto, ótima escrita e ouça sua namorada,parece ser alguém com muita sabedoria e perspicácia!

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