Uma criança perdida no parque pede ajuda a um estranho para encontrar sua mãe. Com a promessa de ajudar o garoto, essa pessoa o convence a ir até sua casa para que pudessem ligar para ela. Horas mais tarde, o estranho se entrega para a polícia. O motivo? Um saco preto encontrado no topo de um prédio com a criança esquartejada. Normalmente, esse tipo de evento seria visto como uma barbárie incondicional e o criminoso teria uma pena penitenciária bastante dura. Mas, e se o criminoso fosse também uma criança? Esse é o plot dos primeiros episódios da série Juveline Justice lançada em 2022 pela Netflix.
Assistir essa série proporcionou uma avalanche de sentimentos e reflexões das mais variadas possíveis. Em primeiro lugar, essa é uma obra bastante realista (pesando um bocado para o pessimismo). Os jovens delinquentes são múltiplos, assim como seus crimes. Alguns são presos por roubos, agressões e bullying. Outros são detidos por estupro, prostituição e assassinatos. Existem maníacos e comandantes de tráfico, assim como aqueles que são coagidos a participarem de crimes. Alguns fazem o que fazem porque simplesmente são assim. A maioria, entretanto, entra nesse mundo por problemas familiares (como a violência doméstica e o abandono) ou por estarem a margem da sociedade. Nem sempre é uma escolha. Os juízes também são uma parte importante do processo. Mais do que isso, eles são pessoas com convicções e vivências plurais. Todas essas contradições acabam pesando sobre o julgamento dessas pessoas. E aí aparece uma outra questão: os julgamentos são sempre justos? As sentenças são brandas demais ou duras ao extremo? Dentro do código penal sul coreano, como garantir um julgamento justo para esses jovens infratores? Um ponto positivo, nesse sentido, é que a série não degringola para a discussão da diminuição da maioridade penal. Parece haver um entendimento de que esse não é o caminho, até porque muitos casos envolvem crianças muito pequenas. O que se coloca em questão são formas e meios de tornar o cumprimento das sentenças mais assertivas e garantir uma mudança real nessas pessoas, afinal elas são o futuro da sociedade. E, particularmente, esse é o ponto que mais me chamou a atenção: as pessoas podem mudar?
Como educador, me vi um pouco nessa discussão, afinal lidamos com esses jovens e seus problemas no ambiente escolar. No caso brasileiro, não é raro haver consumo de drogas, violência e muito ódio nas escolas. No entanto, isso não significa que nosso trabalho é em vão, só aumenta sua importância. Não se enganem, não somos heróis. Não existem professores heróis, assim como não existem juízes heróis. Muitos desses jovens não mudam e terminam tendo destinos trágicos. Nosso trabalho é garantir um acesso a uma educação minimante decente e uma possibilidade de mudança, mesmo que pequena. Não é diferente no caso dos magistrados. Mais do que isso, tornar um juiz um herói pode acarretar em consequências ainda mais graves, como a história recente vem mostrando. Nesse sentido, a série não segue um caminho lava jatista de justiça. Os delinquentes juvenis são pessoas. Elas podem ou não mudarem. Mas, nos raros casos de mudança, alguns podem vir a se tornar novos juízes.
A demonização das crianças não é o caminho para combater as desigualdades e a criminalidade. Não é diminuindo a maioridade penal ou encarcerando-as em massa que mudará as coisas. Se queremos criar uma sociedade em que os massacres escolares não sejam mais uma realidade, precisamos olhar para onde erramos e garantir investimentos robustos para as escolas e para a justiça. É preciso cuidar da saúde mental dos nossos jovens, combater as desigualdades estruturais e garantir uma sentença que cumpra o que as leis determinam. Uma sociedade que transforma escolas em bunkers e arma a população falhou, falha e continuará a falhar até que a raiz do problema seja combatida. No fim das contas, não adianta demonizar as crianças enquanto os discursos de ódio nas redes continuam a se propagar sem vigilância e punição e o nazifascismo continuar atuante nas redes sociais sem nenhuma ação das empresas e dos governos. E, se as crianças são os demônios, que tipo de sociedade estamos criando para se assemelhar tanto ao inferno?
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"[...] Nós estamos falhando miseravelmente com as crianças e os adolescentes. Estamos falhando miseravelmente com as pessoas que mais precisam de nós nesse país e nós temos que admitir isso para poder dar um passo para frente" (Silvio Almeida).
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