Pensei que as coisas estavam mudando. Quando anunciaram onze participantes pretos no maior reality show brasileiro, achei que algo estava se alterando, que a estrutura talvez estivesse se movendo, mesmo que lentamente. Até que começaram as eliminações. Do meio para o final do programa, um a um, esses participantes foram saindo. Por que? Dependendo da pessoa que for perguntada, dirão que eram "plantas" ou que não jogavam. Talvez dirão que eram chatos, militantes demais, sem carisma. O que mais doeu, todavia, foi ver que todos eles saíram para pessoas muito mais problemáticas. Quando uma mina branca briga, grita, quase agride, ela está no direito dela. Quando uma mina branca dorme o dia todo e quase não aparece, ela é fofa já que tem um pseudo relacionamento com um abusador. Ops, me equivoquei. Ele bebeu na hora né. Já está arrependido de ter dado uma chave de perna numa garota e forçado um beijo. Quando uma mina preta é incisiva e direta, ela precisa ser eliminada, é bruta demais. Quando um cara preto possui autoestima, é arrogância. Quando uma mina preta é jogadora, inteligente, carismática e educada, ela é. Ela é? Ah, sim. Ela é preta. Não existe justificativa para o injustificável, só se você for branco. Se for uma mina loira, não importa para quantas berlindas vá, você volta. Sempre volta. Se você for uma mina loira, vai poder colocar o dedo na cara de um mano, gritar, surtar, arrotar superioridade enquanto ele olha quieto, em silêncio. Se ele tentar argumentar, basta chamar de machista para ele "perder a linha". Nesse momento, a preta do grupo vai intimá-lo de violento. Doeu. Doeu pra caralho ver essa cena. Mas isso é bom, né? Uma briga entre pretos sempre gera mais engajamento. Ela só se esqueceu que na primeira oportunidade, vai ser abandonada pelo grupo. Mas não será pessoal, sabe. É coisa de afinidade e tals, nada pessoal. A sororidade no feminismo liberal só existe entre as brancas.
No final, nossa dor não importa. Homens pretos não possuem o direito à raiva. Não temos o direito a um dos mais fundamenteis sentimentos. Não importa quantas crianças são assassinadas na favela, não importa quantos jovens são enquadrados ou quantos de nós morremos. Nada disso importa. Não podemos nos indignar. Descobri isso na faculdade, quando Genivaldo foi morto numa câmara de gás improvisada no camburão e ninguém ligou. Mais do que isso, quando expus minha indignação, fui linchado pelo grupo da sala por cobrar o mínimo de um curso de História. "Não me arraste para as suas lutas", disseram. Sim, como a luta antirracista pode ser de todos quando o racismo beneficia os brancos? Nem todos os brancos, por mais "progressistas" que digam ser, estão do nosso lado e, assistir essa reta final do programa, além de confirmar esse fato, também mostrou que nem todos os pretos estão do nosso lado. É doloroso ver isso sendo jogado na sua cara em pleno 2023. Assim como no ano em que a primeira travesti preta do programa perdeu para o cidadão de bem que traiu a esposa dezenas de vezes, no ano em que teve a maior participação de pessoas pretas, o pódio será das sinhás. Nada de novo nesse país fundado sobre o sangue de africanos.
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"[...] Ouvir aquilo me machucouLevantei a voz, senti a malíciaA conversa com a mina branca acabouCom ela chamando a polícia" (Djonga).
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